sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O Outro Lado da Porta

É uma típica noite de Outono. A monotonia da estação ganha ainda mais força depois que o sol se refugia atrás das montanhas do Oeste. A casa está tão vazia quanto um céu sem nuvens, porém de uma forma triste e sombria. Deito-me sobre o estofado, e mais uma vez, fico perdido em meio a tantos pensamentos. A claridade da lua crescente invade a sala de estar, iluminando o chão e uma parte do meu rosto. O meu olhar está fixo na paisagem que se isola por trás dos vidros da janela. Eu a observo. Ela me parece cada vez mais negra e intocável. Faz frio, e os ventos uivam arrastando tudo o que encontram pela frente. O mundo chora, deixando a sua dor cair em forma de chuva. As lágrimas abrem feridas profundas e frescas na matéria. Eu posso ouvir gritos desesperados e silenciosos ecoarem lá fora. Mas eles não obtêm resposta, assim, pouco a pouco, vão se calando, vencidos pelo cansaço. Tudo o que vejo são sombras, e elas me deixam cada vez mais confuso. Será que Ele não vem? Eu me levanto e me ponho a caminhar pelos cômodos, ansioso pela sua chegada. Penso o porquê de Ele estar demorando tanto, se sabe que estou à sua espera há muito tempo. Talvez não seja o dia apropriado para recebê-lo. Ou talvez eu não seja digno disso. Os meus passos estão leves, enquanto eu me sinto extremamente pesado. Olho para o relógio, mas procuro não identificar as horas. O seu trabalho me perturba profundamente. Por isso, vou em sua direção e lentamente retiro as suas pilhas, lançando-as fora. Cada segundo torna-se insuportável longe d'Ele. E por que demora tanto? Eu realmente não entendo. Então, caminho até a porta e destranco a fechadura, caso Ele chegue enquanto eu estiver dormindo. É esta a minha expectativa. E minha última esperança. Amanhã poderia ser tarde demais, e nós dois sabemos disso. Mas o que eu posso fazer é esperar até o momento em que terei a sua presença ou aguardar o instante em que eu me perder para sempre. Decido voltar para o estofado. Agora, sentado e olhando para lugar algum, pensando em um dia qualquer, sentindo o suspense e a inconformidade do nada, percebo os meus olhos cintilarem de tristeza. Eu abaixo a cabeça e padeço, descrente de tudo, com um desejo que ainda arde dentro do meu peito.

De repente, ouço o ruído da porta se abrindo. Os seus passos soam como uma música em meus ouvidos. Imediatamente, me viro para trás e o vejo. Ele vai entrando devagar, com um largo sorriso no rosto. A minha alma se enche de alegria com a sua chegada, brilhando por dentro e resplandecendo por fora. Ele caminha até o centro da sala de estar, e, após tirar o casaco e pendurá-lo na cabideira, vem sentar-se ao meu lado. Eu sinto uma imensa alegria por tê-o ali.
- Que bom que Você veio.
- Eu fiz uma promessa. Não poderia deixar de cumpri-la.
- Mas porque demorou tanto?
- A porta estava trancada. Eu não conseguia entrar.
- E porque não tocou a campainha ou chamou pelo meu nome?
- Fiz isso por várias vezes. Mas você não ouviu. Estava tão afogada em seus pensamentos e em sua angústia que acabou não percebendo que eu lhe chamava. Mas esperei pacientemente até que você abrisse a porta.
- Então mesmo não te escutando durante todo esse tempo, você permaneceu ali, à minha espera?
- Sim. Como eu mesmo já disse, fiz uma promessa. E não poderia deixar de cumpri-la, independentemente de qualquer coisa. Mas... Como você está?
- Eu preciso mesmo responder?
- Você sabe que eu gosto de ouví-lo. Mesmo sabendo de tudo o que vai dizer.
- As coisas não vão muito bem... Eu... Ainda tenho dúvidas. E problemas. Eles estão acabando comigo. São muitos e... Estou ficando sem forças.
- Não se preocupe. Eles começam a ser resolvidos a partir de agora.

Escorei a minha cabeça sobre os seus ombros e olhei pela janela. Percebi, então, que continuava chovendo. Estranhei a situação. Tudo permanecia negro lá fora.
- Mas... Ainda está chovendo.
- Sim. É preciso chover para florir. Você pode não estar vendo nenhuma mudança agora. E os fatos te dizem que isso nunca vai mudar. Mas não se deixe enganar pelo o que os seus olhos vêem. Apenas acredite. Acredite até o fim.
Fecho os olhos e me aconchego ainda mais em seus ombros. Sua voz me traz um grande conforto, uma paz inexplicável. Então, respiro fundo, aliviado, olhando para o seu rosto e dizendo:
- Eu acredito.

Por um momento, penso no quão incrível é o fato de não poder descrevê-lo. Eu o observo bem de perto, mas não sei dizer exatamente qual é a cor dos seus olhos e dos seus cabelos. Não sei quais palavras devo usar para descrever o seu sorriso. Também desconheço qualquer razão para ter certeza do seu amor por mim. Eu apenas tenho essa convicção guardada no mais íntimo do meu ser. Sinto uma enorme vontade de agradecê-lo, de mostrá-lo o quanto Ele é importante para mim. Mas o que dizer para alguém que já ouviu de tudo? Nem as palavras complexas e sentimentais dos mais ilustres poetas poderiam expressar tudo o que eu desejo dizer. Elas são tão inúteis, tão limitadas... A verdade é que nunca poderei colocar em frases o que se guarda no coração. Mas ainda sim, Ele gosta de me ouvir. E está pronto para escutar o que eu for dizer. Então, sem demorar-me muito, digo suavemente que o amo. Ele retribui com um sorriso e aceita feliz as minhas simples palavras:
- Eu sempre estarei com você. Basta deixar a porta aberta.

Com a sua doce fala e luz interior, caio em sono profundo. Adormeço em paz, em meio àquela madrugada morta.

Sinceramente, não sei por quanto tempo permaneço assim. Mas desperto e me vejo deitado sobre o estofado. Eu o procuro por todos os lados, mas não o encontro. É quando eu me sento e olho pela janela. Faz um dia lindo lá fora. A primavera já chegou. O sol brilha esplendoroso, os pássaros cantam, o perfume das flores se espalha pelo ambiente. Não há mais chuva, nem dor, nem escuridão ou desespero. Todos eles desapareceram, junto com a minha angústia. Tudo o que vejo agora é luz. Então, finalmente o encontro: Ele está dentro de mim. Saio perambulando pelas ruas, vivo os meus dias, reconquisto a minha vida. Sei que nem sempre passarei por lugares ensolarados e floridos, mas não permitirei que os escuros me contaminem como antigamente. Eu vejo as coisas, as pessoas... Elas estão diferentes. Sim, alguma coisa as fazem diferentes. E especiais. Mas e as guerras? Elas continuam lá, e lá permanecerão. E eu terei que enfrentá-las, sempre. Mas não importa. Por mais que ainda chova na primavera, por mais que venham outras noites monótonas, por mais que eu me decepcione com alguém ou com alguma coisa... Ainda sim, continuarei de pé. E feliz. Feliz porque a porta estará aberta. Feliz porque as verdadeiras alegrias não são as que ficam estampadas no nosso rosto, mas sim aquelas que estão tatuadas em nossos corações.

by: Stephanie Martins Mendes

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